segunda-feira, 25 de julho de 2011


Pão e vinho

A chamada Ceia do Senhor faz parte da vivência cristã evangélica


Pão e vinhoÉ famosa a cena pintada por Leonardo Da Vince representando a Última Ceia, momento em que Jesus reparte pão e vinho com seus discípulos. Famosa e recriada à exaustão por artistas de todo o mundo. Famosa e banalizada por grande parte dos cristãos evangélicos. Afinal, que mistério há em comer um pedacinho de pão já cortadinho e tomar um cálice de suco de uva que nem dá um gole de verdade? Ainda mais com o fim do culto se aproximando, já pensando no que e com quem irá falar, o pensamento já focado na correria da segunda de manhã, no atropelo da semana que já começa a mil por hora.

Lembranças sempre vêm da primeira ceia, aquela tomada com lágrimas nos olhos, cabelos ainda molhados do batismo recém-acontecido. Semanas, meses de ansiedade até poder participar do "corpo e do sangue de Cristo". Um choro baixinho de alegria e satisfação tomava conta daquele coração. Tão forte quanto vem a sensação dolorida da primeira ceia não tomada, quer seja por disciplina, quer seja por consciência pesada ou assunto não resolvido. Lábios trêmulos confessando que podia ter tratado melhor seus pais ou seu cônjuge, olhos marejados prometendo consertar tudo e nunca mais ficar sem atender ao convite do "vem cear, o mestre chama, vem cear".

De repente, meses se passam, anos se vão, nem se lembra mais, um ritual, uma liturgia ensaiada sem emoção e a ceia já é um enfado mensal. Como dividir o pequeno naco de pão com as mesmas pessoas que há tempos se tornaram estranhas, distantes? Enquanto caminhava para casa após mais uma ceia, pensava nisso e propôs uma oração sem palavras. Queria voltar a sentir alegria em cear com Cristo. De seus lábios, um tácito amém era a única evidência de uma prece.

Mal entrara em casa, aconchegando-se no sofá para terminar a noite com um pouco de humor televisivo, a campainha toca. Uma mulher, cabelos grisalhos e rugas profundas, pedia uma refeição, um naco de pão. Pensa em negar, estava perdendo seu momento favorito do domingo, mas antevê uma dor na consciência e prepara um prato grande, com fartas porções do almoço em família. A senhora agradece, "Deus lhe dê em dobro". Um amém descrente dispensa a senhora que desce a alameda rumo ao nada.

Na segunda, aguardava ansiosamente o almoço com o chefe; sabia que a sobremesa poderia ser a promoção tão bem cultivada, as respostas certas a trariam junto com a conta no restaurante caro, que pagaria com gosto ao seu chefe. Enquanto termina um relatório, vê a copeira ofegante, mãos trêmulas e corre para ampará-la. Apesar de ter sido só um susto, diagnosticado pelo médico no posto de saúde mais próximo para onde levou a colega de trabalho, seu coração apertado sentia ter perdido o almoço com o chefe enquanto dividia um prato feito no restaurante ao lado do posto de saúde com sua amiga copeira.

Durante toda a semana, seus planos de promoção com o chefe, de um encontro romântico, até de passar uma noite tranquila com um bom livro, todos seus planos frustrados, interrompidos ou abandonados por pessoas que precisaram de sua presença. No sábado, finalzinho da tarde, uma festa maravilhosa a caminho e o telefone novamente muda seus planos. Sua avó estava internada por causa da diabetes e lhe caberia o papel de acompanhante naquela noite. Enquanto a avó octogenária se alegrava em contar causos de sua adolescência, pelo celular, só notícias do festão que estava perdendo. Pela manhã, a matriarca da família insistiu em repartirem a refeição matinal do hospital.

Domingo à noite. Uma semana depois, estava de novo ao culto. O aniversário da denominação proporcionaria uma ceia extra ao mês. "Vem cear, o mestre chama...", durante a canção ministrada pelo coral enquanto o mesmo pãozinho recortado e o copinho de pouca monta com suco de uva eram distribuídos, as cenas da semana lhe voltam à mente. Cada refeição dividida com amigos, cada ajuda dada a quem lhe procurou em hora e fora de hora, o abrir mão da promoção para socorrer a copeira no serviço, a noite em claro cuidando da avó. Em cada cena agora via a presença de Jesus. A ceia dividida naquela noite, salgada com lágrimas sinceras de alegria e satisfação, era apenas o que devia ser: a memória da presença de Cristo em sua vida durante toda a semana. Entendeu finalmente o que era a ceia, mais que um mero repartir de pão e vinho.

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