quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O que Torna a Reforma de Uma Igreja Possível?


Plantação de igrejas parece estar na moda em nossos dias. Mas eu diria que revitalizar igrejas existentes é, no mínimo, tão importante para a causa do reino. De fato, revitalizar uma igreja não saudável é como ter “dois pelo preço de um”. Você não apenas estabelece uma base de operações reformada e vibrante para o evangelho, mas também elimina o fraco testemunho que havia antes. Igrejas doentes são, como afirma Mark Dever, “forças anti-missionárias terrivelmente eficazes”. Elas anunciam à comunidade: “É assim que um cristão é! É assim que um cristão é!”. Tal propaganda enganosa difama o evangelho e, de fato, impede o evangelismo nas proximidades daquela região. Mas, quando uma igreja é transformada, o evangelho cresce e avança à medida que a comunidade é confrontada com um genuíno testemunho corporativo de Cristo.
Eu testemunhei duas reviravoltas em igrejas, uma em Louisville, Kentucky, EUA, e outra em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Em ambos os casos, as igrejas foram completamente transformadas, da pregação à adoração corporativa, à cultura da igreja, ao impacto evangelístico nos bairros vizinhos. Em ambas as reviravoltas, embora não possa reivindicar o crédito por nenhuma delas, eu desfrutei de um lugar na primeira fila para observar a reforma radical de uma igreja.
O que tornou aquelas reformas de igreja possíveis?
Pregação
A força motriz por trás de qualquer reforma verdadeira será a Palavra de Deus. Ao operar no meio de uma congregação, a Palavra prepara e amacia o solo árido e produz mudança espiritual. Em Dubai, havia membros fiéis que labutavam há anos, mas sem grande resultado; eles não estavam sendo apoiados de modo consistente pelos sermões dominicais. Eles tentavam corajosamente fortalecer a comunidade, mas algo estava faltando. Porém, quando a pregação se tornou consistemente expositiva e centrada no evangelho, foi como se alguém jogasse um palito de fósforo aceso na gasolina. O ministério se multiplicou. Quando a igreja começou a passar pela reviravolta, um membro de longa data comparou a pregação a um fogo de artilharia semanal. O persistente lançar da Palavra amenizou a oposição e abriu caminhos para que mais ministérios frutíferos surgissem no meio do corpo.
O púlpito deve conduzir o esforço de reforma de uma igreja e isso significa pregar expositivamente, com ênfase no evangelho e aplicações pertinentes à vida da igreja, especialmente naquelas áreas que precisam de reforma. Se o púlpito não estiver firme por trás do esforço, os reformadores provavelmente estão perdendo tempo. É melhor mudar para um lugar onde a Palavra já esteja sendo devidamente pregada e descobrir como aquele ministério pode ser apoiado.
Providência
Igrejas moribundas apenas serão vivificadas se Deus estiver operando nelas. Anos atrás, em Louisville, eu fui membro de uma antiga igreja cujo ministério estava definhando, por várias razões. A maior parte da igreja era de pessoas idosas, muitas das quais ministravam fielmente, mas sem liderança pastoral. As gerações mais novas já haviam abandonado a igreja há muito tempo, e eu podia entender por quê. Além da lealdade familiar, não havia muito que pudesse mantê-los ali. A pregação consistia, basicamente, de histórias triviais sem nenhuma exposição séria das Escrituras. A igreja era conduzida mais pela cultura do que pela teologia e, há muito tempo, a cultura contemporânea a tinha deixado para trás.
Mas, na providência de Deus, havia uma outra igreja na região (que se reunia em uma escola) onde o evangelho era claramente proclamado. Essa igreja mais jovem desfrutava de vida, vitalidade e sã doutrina, mas não tinha raízes na comunidade nem um local de culto próprio. A solução óbvia era a fusão das duas congregações. Inicialmente, a ideia de uma fusão foi rejeitada pela igreja mais antiga e necessitada. Elas eram diferentes demais na teologia, na música, na cultura e em todos os outros pontos. Mas Deus começou a, soberanamente, remover os oponentes dessa fusão e, gradualmente, mudar os corações das pessoas em favor da entrada da nova igreja. Como da noite para o dia – de uma dura oposição para uma aprovação congregacional quase unânime –, Deus providencialmente orquestrou o início de uma nova obra ali em Louisville, uma igreja que permanece vibrante e unidade até hoje.
Com tantas forças direcionadas contra a reviravolta de uma igreja local, isso nunca acontecerá, a menos que Deus a traga à existência. O cuidado providencial de Deus é essencial à reforma de uma igreja e, por esse motivo, oração é essencial.
Parceria
Tente não fazer isso sozinho. Uma reforma de igreja pode ser penosa, ingrata e desencorajadora. O cronograma não é medido em meses, mas em anos. E uma reforma espiritual profunda não costuma ser ostentosa. Deus usa os meios ordinários de graça para dar crescimento ao seu povo e transformá-lo. Igrejas inconstantes podem se tornar impacientes e, durante tempos de dificuldade, é proveitoso ter amigos.
Quando eu comecei a pastorear em Dubai, havia um presbítero em particular que me encorajava nos momentos árduos. Ele era um especialista em encontrar evidências da graça, mesmo quando eu lidava com meus próprios erros pastorais e com os reveses que sempre ocorrem em uma reforma de igreja. Quando elementos cruciais da reforma estavam em risco, ele estava lá para estender a mão no exato momento. Se possível, faça parcerias antes de mergulhar de cabeça num contexto de reforma. Não vá sozinho.
Esforce-se para identificar homens que estejam respondendo ao ministério e permaneça ao lado deles. Considere da mais alta prioridade o discipular homens da congregação para, um dia, serem presbíteros e parceiros no ministério.
Paciência
Quantos pastores são demitidos por tentarem impingir mudanças na igreja antes de a igreja estar pronta? Quantos esforços de reforma são ameaçados pela impaciência de líderes que, talvez, soubessem a coisa certa a fazer, mas falharam em dispender o tempo necessário para ensinar, orar e servir o povo a fim de ganhar a sua confiança e persuadi-los nos pontos que precisavam de reforma? Lembre-se da advertência de Paulo a Timóteo: “Corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2Timóteo 4.2). O fato de você saber quais problemas existem não significa que todos eles precisem ser resolvidos imediatamente.
Quando eu comecei a pastorear em Dubai, alguém me lembrou, de modo proveitoso, de que aquela não era “minha” igreja. Em outras palavras, as pessoas ali e o seu estado de maturidade espiritual eram o fruto do ministério de outro pastor, não do meu. Eu não poderia chegar e esperar que a igreja imediatamente adotasse minhas visões quanto à vida da igreja e ao seu ministério. Isso me libertou para servir com contentamento pessoas que nem sempre partilhavam das minhas convicções sobre a Bíblia ou o ministério. Mas, depois de alguns anos, aquele quadro começou a mudar.
Tenha visão de longo alcance no que se refere à reforma de uma igreja. É proveitoso ter um horizonte de dez a vinte anos. Com uma perspectiva de longo prazo, nós podemos priorizar com mais paciência as áreas da vida da igreja que precisam de mudança. Podemos operar com mais contentamento em um ambiente de ministério imperfeito, até mesmo quando pedimos às pessoas que perdoem também as nossas fraquezas pessoais.
Existem, contudo, duas coisas que um pastor pode começar a mudar tão logo chegue à nova igreja: pregação e membresia. No primeiro dia, você pode sustentar a autoridade das Escrituras na maneira como prega, extraindo os pontos do sermão diretamente do próprio texto e mostrando que você mesmo é governado pelo texto. Segundo, você pode imediatamente começar a entrevistar novos membros, à medida que chegarem. Desse modo, você pode:
  • assegurar-se, tanto quanto possível, de que eles são crentes genuínos;
  • assegurar-se de que eles entendem e podem articular o evangelho;
  • expor as suas expectativas quanto à membresia da igreja;
  • e começar a estabelecer um relacionamento pastoral com os novos membros que chegam, o que, ao longo do tempo, afetará o caráter da igreja como um todo.
Poucas coisas superam uma visão da “primeira fila” de uma reforma de igreja
Por fim, há poucas coisas que superam assistir a uma igreja mudar de doente e irrelevante para bíblica e vibrante. O único modo como isso ocorrerá é se a Palavra de Deus for devidamente pregada. Ainda assim, alguns esforços de reforma falham, a despeito de púlpitos fiéis; o Senhor deve estar operando para mudar a rota do barco. Você terá mais chances de sucesso na maratona se tiver alguns irmãos que estejam labutando com você na obra. Mas, mesmo com todas essas coisas no lugar, você deve ter uma perspectiva de longo prazo para a reforma da igreja. “Eis que o lavrador aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas. Sede vós também pacientes” (Tiago 5.7-8).

fonte: Fiel

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O Fim de todas as Escatologias

R. C. Sproul Jr.
No País das Maravilhas, quando Alice chegou a uma encruzilhada, ela olhou em volta procurando ajuda. Em uma árvore próxima estava um sorriso. Apenas um sorriso. Porém, logo apareceu o corpo completo do Gato de Cheshire. Alice perguntou ao gato que caminho ela deveria tomar. O gato lhe perguntou para onde ela estava indo. Alice explicou a ele que não tinha nenhum destino em particular, e então o gato disse palavras de sabedoria: “Então não importa”.
Se não estamos indo para lugar nenhum, não existe caminho errado. Você só pode se perder se você tem um destino. É por isso que a escatologia é importante. Quando entendida corretamente, a escatologia, o estudo das últimas coisas, é o estudo de para onde estamos indo.
O problema mais frequente é quando nos achamos caminhando numa estrada sem saída, porque nos distraímos com as placas no caminho. Nós acabamos discutindo sobre onde estamos ou onde quase estamos, e no fim das contas perdemos de vista o real objetivo da história.
A Bíblia fala de um milênio. Ela o faz em meio a uma peça profundamente difícil de literatura inerrante — a Revelação de João, o livro do Apocalipse. E tudo o que a Bíblia ensina é compreensível. Deus não perde o tempo dele ou o nosso nos contando coisas que são impossíveis para a nossa compreensão. Então, há uma visão sã do milênio que é bíblica, cognoscível e valiosa. Nós devemos buscar afirmar e compreender essa visão.
O milênio, contudo, não é o fim, em nenhum sentido da palavra. Ele não é a razão para todas as coisas; nem é a última de todas as coisas. Portanto, ele não deveria nos dividir e separar profundamente.
Algumas visões declaram que estamos no meio do milênio, que esse termo se refere ao tempo entre a ascensão de Cristo e o seu retorno. Algumas visões afirmam que o mundo crescerá progressivamente em perversidade, e então Jesus retornará para governar por mil anos. Outros ainda afirmam que o mundo crescerá progressivamente em fidelidade à Palavra de Deus, para que desfrutemos de uma era de ouro de mil anos antes da volta de Jesus. De fato, são visões muito diferentes sobre o milênio.
Mas você notou o que cada uma dessas visões têm em comum? Qualquer posição que alguém possa tomar, no final, todos concordamos em uma coisa: Jesus vence. Quando a história chegar ao fim, todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor. Quando a história chegar ao fim, todos os seus inimigos terão sido colocados por estrado dos seus pés. Quando a história chegar ao fim, não haverá mais lágrimas, nem doença, nem morte. Quando a história acabar, aquilo que agora somos chamados a buscar, o reino de Deus, será consumado. Aquilo que buscamos será encontrado em toda a sua glória, em toda a sua plenitude.
Há, contudo, mais um passo antes do fim, uma parte da história que estamos acostumados a negligenciar. O fim real, o fim verdadeiro, não se encontra nos capítulos finais de Apocalipse, mas na primeira carta de Paulo à igreja em Corinto, capítulo 15. Lá nós lemos: “E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder” (v. 24). O fim é quando o Filho, após trazer todas as coisas sob a sua sujeição, entrega o reino ao seu Pai. Então, o segundo Adão, tendo completado o chamado dado ao primeiro Adão de encher e sujeitar a terra, entregará de volta ao seu Pai a criação que havia sido colocada sob nossa mordomia.
Como podemos esquecer disso? Como a nossa história deixou de fora esse grande clímax? O Filho devolve o reino ao Pai. Devemos chegar a compreensão disso, pois é exatamente essa gloriosa verdade que inspira os nossos trabalhos aqui e agora. O reino que primeiro buscamos é o mesmo reino que o Filho devolve ao Pai. Nossos trabalhos no presente, enquanto refletem e fluem do nosso comprometimento com o reino de Cristo, não importa o que aconteça entre hoje e o fim, sobreviverão. Nossa obra importa para a eternidade. Ou, como um sábio teólogo se inclina a descrever, o agora conta para sempre.
Nossos esforços, nossos trabalhos em criar nossos filhos na educação e admoestação do Senhor, em chamar os eleitos dos quatro cantos da terra, de tomar o pó de Deus e moldá-lo em objetos, não é apenas buscar o reino, mas manifestá-lo. Não é o que fazemos enquanto esperamos pelo fim, nem o que fazemos para fazer acontecer a nossa visão favorita do milênio. Mas o que fazemos para mover a história para o fim do fim, o Filho devolvendo o reino ao Pai.
E isso, é claro, também é o princípio do princípio. A partir dali, nós desfrutaremos do verdadeiro e eterno Monte Sião — na Nova Jerusalém — a própria presença do Deus vivo. Nós participaremos da visão beatífica, contemplando a sua glória. Nós conhecemos o fim, tanto o propósito quanto o objetivo da história — Jesus vence para a glória de Deus. E pela sua graça, ele nos leva com ele. Essa é a nossa razão de viver e a nossa esperança ao morrer.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

A Primeira e a Segunda Ressurreição

Em uma segunda perspectiva sobre os “mil anos”, após a prisão de Satanás, João viu tronos e os juízes que os ocuparam, as almas daqueles que haviam sido decapitados por terem sido fiéis a Jesus (Ap 20.4-6). Essas almas “viveram” e reinaram com Cristo por mil anos. A vinda deles à vida é “a primeira ressurreição”, e isso mostra que “a segunda morte” — o tormento eterno que aguarda os inimigos de Deus (19.20; 20.10, 14-15) — não tem poder sobre eles.
Alguns pré-milenistas interpretam “a primeira ressurreição” como a ressurreição corporal dos crentes na segunda vinda de Cristo (veja 1Ts 4.13-17; 1Co 15.20-23). Embora João não mencione uma “segunda ressurreição”, os pré-milenistas creem que uma subsequente ressurreição corporal dos incrédulos fica implícita na declaração: “Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos” (Ap 20.5). Nessa visão pré-milenista do futuro, portanto, há duas ressurreições corporais separadas por mil anos. Os cristãos receberão seus corpos ressurretos na gloriosa volta de Jesus dos céus, e nesse estado ressurreto, eles partilharão do domínio de Jesus sobre uma terra muito melhor se comparada à atual, mas não purificada do pecado. Então, séculos mais tarde, as almas não-cristãs serão restauradas à existência corpórea para encarar o julgamento final. Para determinar o mérito dessa visão, examinaremos o texto mais além.
Se nos aproximarmos dessa visão do ponto de vista das figuras que aparecem no Antigo Testamento que convergem no Apocalipse, outra mensagem emerge. Note que João vê tronos antes que ele vislumbre qualquer pessoa sentada neles. Essa ordem ecoa a visão de Deus entronizado quando João foi convocado “em espírito” aos céus (4.1-2; veja 20.11). Isso também remete a uma visão na qual Daniel vê tronos, depois o Ancião de Dias e depois o tribunal de Deus assentado em julgamento (Dn 7.9-10). Esses ecos não são coincidência. Eles mostram a localidade celestial desse tribunal e seus tronos. Aqueles que reinam com Cristo por mil anos o fazem nos céus, não na terra.
Quem são os juízes que ocupam os tronos? São as almas daqueles que foram decapitados por manterem seu testemunho sobre Jesus. Eles representam não apenas cristãos mortos por decapitação, mas também aqueles martirizados por outros meios (apedrejamento, crucificação, fogueira, espada). Anteriormente, João os havia visto sendo derramados como sangue sacrificial “sob o altar” nos céus (6.9-11). O que distingue essas almas não é a sua morte violenta, mas a sua fidelidade ao testemunho de Jesus e à Palavra de Deus. Implicitamente, inclui-se todos “os mortos que morrem no Senhor” (14.13), independentemente de terem sido chamados para entregarem as suas vidas a fim de manterem sua confissão. Novamente, a identidade dos juízes confirma o local de reunião celestial do tribunal no qual eles governam com Cristo.
Mas, a declaração de que eles “viveram” em uma “primeira ressurreição” não mostra que essas almas estão reunidas com seus corpos antes que elas comecem seu reino de mil anos com Cristo, que os seus corpos ressurretos estarão assentados nos tronos? A palavra “Ressurreição” pode referir-se a outra coisa senão ressurreição “literal” — física, corpórea? De fato, pode, e no novo testamento esse normalmente é o caso.
Paulo lembrou os cristãos em Éfeso, que estiveram “mortos nos delitos e pecados nos quais [andaram] outrora”, que Deus nos dera vida “juntamente com [Cristo] [...] e juntamente com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2.1, 5-6). A sequência é idêntica à de Ap 20.4-6: os mortos revivem, são ressuscitados e são entronizados nos céus para fazer parte do reino de Cristo. Mas Paulo não está descrevendo a ressurreição corporal, ascensão e entronização futura dos crentes. Ele fala da graça recebida em nosso passado e nosso presente, quando o Espírito Santo de Deus aplica a nós a obra de Cristo: “pela graça sois salvos, mediante a fé” (2.8). Os cristãos já fazem parte da ressurreição, vida e reino celestial de Cristo (Cl 3.1-4; Rm 6.4), até mesmo enquanto aguardamos o retorno do nosso Senhor, quando nossos corpos também serão transformados por sua vida ressurreta (Rm 8.11;  Fp 3.10-11, 20-21).
O próprio Jesus ligou o poder que concede vida da sua voz no presente com o poder de ressurreição de corpos de sua voz no futuro. No presente, ele disse, “vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” (Jo 5.25). Agora, conforme Jesus prega, “quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, [...] passou da morte para a vida” (5.24), embora nossos corpos ainda enfrentem a expectativa da morte física. No futuro, “vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo” (5.28-29).
Essa futura saída dos túmulos de todos aqueles que morreram fisicamente aparece em Ap 20.12-13: “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. [...] O mar [...] a morte e o além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados”. Apenas aqueles cujos nomes estão no Livro da Vida do Cordeiro sobreviverão a esse julgamento (v. 15). Embora nunca seja classificada assim, essa é a segunda ressurreição implícita na “primeira ressurreição” (20.5-6).
Assim, na Palavra de Deus, termos como “viver”, “passar da morte para a vida” e “ressurreição”, às vezes, transmitem sentidos simbólicos e espirituais. A “primeira ressurreição” em Apocalipse 20.5-6 é espiritual ou corpórea? Frequentemente, as discussões mais prosaicas de Paulo sobre os eventos futuros nos ajudam a esmiuçar as figuras das vívidas visões de João, e este é um caso desse fenômeno. Em 1 Coríntios 15.22-26, Paulo explica a ordem na qual a vitória de Cristo sobre seus inimigos se desenrolará:
Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte.
Cristo já foi ressuscitado dos mortos como as primícias da ressurreição final de todos aqueles que estão “em” Cristo. Agora Cristo está reinando, subjugando seus inimigos. O último inimigo a ser destruído é a morte, e sua destruição concidirá com a segunda vinda de Cristo e a ressurreição dos cristãos. Essa é a mesma ordem que vemos em Apocalipse 20. Através da morte e da ressurreição de Cristo, o inimigo de Deus, Satanás, foi preso por um longo período (vv. 1-3), para ser eventualmente liberto e destruído (vv. 7-10), quando todos os mortos serão ressuscitados e julgados (vv. 11-13). Por último, a própria morte será destruída (v. 14). Nenhum inimigo sobreviverá depois que a morte, o último inimigo, “morrer”. Então a ressurreição corpórea dos crentes, que é o foco de Paulo em 1 Coríntios 15, é parte de uma ressurreição final geral de todas as pessoas, tanto crentes quanto rebeldes — a segunda ressurreição no retorno de Cristo, o fim da história (Jo 5.28-29; Ap 20.11-13).
Mas se a “primeira ressurreição” não é corpórea, o que ela é? Como João 5 e Efésios 2 mostram, as Escrituras dizem de fato que Deus ressuscita pessoas espiritualmente mortas através do seu chamado eficaz no evangelho. Mas Apocalipse 20.4 se concentra nas “almas”, e tais almas pertencem às pessoas que morreram não através do pecado e da incredulidade, mas por causa do seu fiel testemunho a Jesus. Isso nos aponta para uma direção diferente.
Considere o paradoxo das figuras de Apocalipse, que mostra que as coisas frequentemente não são o que parecem ser. João ouviu que o Leão de Judá havia “vencido” e era digno de abrir o livro de Deus (Ap 5.5). Mas ele viu um Cordeiro de pé, como tendo sido morto; e por causa da sua morte sangrenta, o Cordeiro era digno de abrir o livro (5.9). Poderia a morte do Cordeiro ser a vitória do Leão? Sim; a fraqueza da cruz de Cristo é o poder de Deus (1Co 1.18-25). Novamente, em Apocalipse 11.7 e 13.7, a besta, apoiada por Satanás, vence e mata os santos de Deus. Superficialmente, as mortes sangrentas dos mártires parecem uma derrota completa. Entre essas duas afirmações, entretanto, João vê a real situação: os crentes que Satanás uma vez acusou “venceram-no por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida” (Ap 12.11). Os mártires que entregaram as suas vidas, confiando no sangue e na justiça de Jesus, saem vitoriosos sobre o próprio Satanás.
Visto que o Cordeiro triunfou ao ser morto e a vitória secreta dos seus seguidores é a fidelidade deles até a morte, a lógica paradoxal de Apocalipse nos leva à surpreendente conclusão de que a primeira ressurreição era, de fato, a morte violenta dos mártires nas mãos de seus perseguidores. Aquela morte os introduziu à presença de Deus, onde eles agora adoram como sacerdotes e reinam como reis (20.6; veja 7.9-12). Embora os mártires ainda aguardem a justiça vingadora de Deus (6.10) e “a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23), a partida deles para estar com Cristo é, para eles, “incomparavelmente melhor” (Fp 1.23), um doce antegosto da segunda ressurreição na volta de Cristo, quando “tragada [for] a morte pela vitória” (1Co 15.54).

Fonte: Ministério Fiel

terça-feira, 25 de março de 2014

Disciplina na Igreja: Castigo ou Amor?

Por Fred Greco
Disciplina na igreja — a própria frase parece trazer à mente da maioria dos cristãos um desfile de horrores. Parece que a nossa imagem atual da disciplina eclesiástica é aquela de tiranos repressivos e alheios, nos dizendo o que podemos e o que não podemos fazer. Isso não nos surpreende quando consideramos os incidentes públicos de abuso de autoridade tanto dentro quanto fora da igreja. Também há a ideia de que a disciplina na igreja parece alheia ao nosso entendimento moderno de liberdade cristã, um entendimento no qual o indivíduo cristão é seu próprio juiz em todas as questões concernentes à fé e à vida cristãs. Mas para entender o motivo pelo qual a disciplina eclesiástica tem sido considerada uma “marca” na igreja historicamente, devemos nos lembrar do verdadeiro propósito da disciplina na igreja.
Uma marca da igreja
Desde o tempo dos reformadores, para distinguir entre uma igreja verdadeira e uma igreja falsa, teólogos têm descrito três “marcas” da igreja: a pregação adequada da Palavra de Deus, a administração apropriada dos sacramentos e a administração apropriada da disciplina eclesiástica. Embora não seja controverso pensar que uma igreja verdadeira ensinaria a Palavra de Deus e obedeceria o mandamento de Cristo para observar os sacramentos, muitos cristãos duvidariam que a disciplina eclesiástica é necessária para se ter uma verdadeira igreja. Na realidade, contudo, a ideia da disciplina na igreja é um paralelo essencial às primeiras duas marcas. Afinal, a Bíblia não nos diz que não é suficiente que a Palavra seja ensinada e pregada apropriadamente, mas que ela também deve ser obedecida e praticada (Rm 2.13; Tg 1.22)? E como a igreja pode administrar os sacramentos apropriadamente sem determinar a quem eles se aplicam? A disciplina eclesiástica é o mecanismo que o Senhor decretou para designar e edificar a sua igreja, a família de Deus.
A igreja não é apenas uma organização — é a personificação do propósito e do plano de Deus para redimir pecadores e reconciliá-los consigo mesmo. O mesmo crente em Jesus Cristo que é justificado através da fé também é adotado através da fé. Nosso grande Deus triuno não se satisfaz apenas com o fato de seu povo ser declarado não culpado diante do seu trono de julgamento (Rm 5.1). Ele também torna cada pecador redimido seu filho, parte da família de Deus (João 1.12). Quando vemos a igreja como uma família, começamos então a ver o propósito e a bênção da disciplina eclesiástica. Assim como pais e mães que carinhosamente amam os seus filhos devem tomar tempo para corrigi-los e encorajá-los, pastores e presbíteros que amam o Senhor e o povo do Senhor devem tomar tempo para corrigi-los e encorajá-los.
Disciplina e discipulado
Para melhor apreciar a posição da disciplina na vida da igreja, devemos vê-la através de uma lente bíblica em vez de tentarmos enxergá-la por meio de casos individuais que possamos ter ouvido (ou experimentado). A palavra disciplina traz à tona imagens de julgamento e punição que podem nos colocar imediatamente na defensiva. Mas esse não é o uso bíblico primário da disciplina. A disciplina bíblica está mais relacionada com outra palavra bíblica bem conhecida: discípulo. Um discípulo é alguém que é ensinado (Mt 10.24), e no Novo Testamento, discípulo tem uma especial referência a aprender a observar todos os mandamentos de Jesus (28.19-20). De maneira similar, disciplina é aprender os caminhos do Senhor. Paulo usa a palavra nesse sentido em Efésios 6.4: “Pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor”. De fato, a palavra do Novo Testamento para disciplina é a mesma palavra grega que é usada para educação ou instrução (especialmente de crianças) em um sentido mais amplo. Disciplinar alguém é treiná-la no caminho em que ela deve seguir (Pv 22.6) e edificar alguém que é querido (Hb 12.5-11) por amor (Ap 3.19).
Esse modelo bíblico também nos ajuda a entender que a disciplina eclesiástica é necessária para o nosso crescimento na graça e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo. Se disciplina é o trabalho de um pai amoroso que instrui os seus filhos, como podemos recusar a instrução do nosso Pai celestial? O Senhor concedeu pastores à sua igreja para o propósito de edificar e capacitar o rebanho, e ele usa esses pastores como meio para disciplinar o seu povo (Ef 4.11-16). Em primeiro lugar, disciplina começa com instrução a partir da Palavra de Deus. Disciplina na igreja nunca deveria começar no estágio de algum tipo de ação formal. Ela começa com os líderes da igreja dando direção, instrução e admoestação a partir da Bíblia. Para que sejamos edificados pelo Senhor, devemos conhecer os mandamentos do Senhor. Para sermos colocados no caminho correto, devemos conhecer os caminhos do Senhor. Em um sentido muito real, se não desejamos ser parte de uma igreja que pratica a disciplina eclesiástica, estamos desistindo do privilégio de sermos instruídos e constrangidos pela Palavra de Deus.
Como deve ser a disciplina na igreja?
Se a disciplina eclesiástica é uma marca de uma igreja legítima, e se isso é uma extensão da disciplina amorosa de Deus para com seus filhos, por que ela não é praticada em mais igrejas? Por que ela é tão subestimada? A resposta para tais perguntas é frequentemente encontrada na maneira comoa disciplina eclesiástica é (mal) praticada. Assim como os pais devem cuidar de aplicar fielmente e biblicamente  disciplina a seus filhos, os líderes da igreja devem usar a sua autoridade com coerência e amor. O Antigo Testamento está cheio de advertências sobre os perigos do favoritismo (como Jacó com José e seus irmãos), e a falha em aplicar a disciplina (como Eli e seus filhos). O Senhor de fato disciplina aqueles a quem ele ama (Hb 12.6), e a igreja também deve fazê-lo. Mas nunca podemos nos esquecer que a disciplina eclesiástica é um exercício de amor. Isso significa que a disciplina na igreja não é algo que deve ser buscado apenas após uma situação não parecer mais ter jeito. Disciplina não é a “gota d’água”, onde o julgamento é pronunciado. Disciplina eclesiástica bíblica é uma cultura de responsabilidade, crescimento, perdão e graça que deve permear as nossas igrejas. Cada membro de igreja tem a responsabilidade de ajudar os outros em suas lutas contra o pecado — não através de julgamento e críticas, mas, ao invés disso, com gentileza e visando à restauração, sabendo que ele mesmo também está sujeito à tentação (Gl 6.1). Mateus 18 não descreve uma espécie de litígio alternativo; é uma cartilha sobre como abordamos amorosamente uns aos outros, pacientemente esgotando os passos menores (por exemplo, ir até a pessoa) antes de passar para os passos maiores (por exemplo, levar à igreja).
Os líderes da igreja devem sempre se lembrar que a autoridade que eles possuem quanto à disciplina não vem deles mesmos, mas é a autoridade de pastoreio de Cristo. Esta é a igreja de Cristo (Ef 1.22-23; Cl 1.18), e é ele quem a está edificando para torná-la sem mácula (Ef 5.27). Os líderes, portanto, devem fazer todo esforço para evitar agir de maneira dominadora e tirânica simplesmente para resolver rapidamente os problemas (1Pe 5.3), ou demonstrando parcialidade em disciplinar alguns enquanto ignora outros (Tg 2.1). Os membros devem saber que o processo de disciplina não é um método secreto de punição, mas é a maneira de Deus restaurar pecadores, curar relacionamentos e honrar a sua Palavra. Os líderes não devem temer que a disciplina na igreja seja vista à luz do dia, ao passo que, ao mesmo tempo, devem empregar todo esforço para proteger a reputação dos membros de desnecessária notoriedade e potenciais fofocas. O fim almejado não é simplesmente resolução, mas o fortalecimento de crentes individuais e de todo o corpo de Cristo.
Qual é o propósito da disciplina na igreja?
Por último, a disciplina eclesiástica é algo que requer oração, reflexão e coerência, porque possui propósitos importantes na vida da igreja. Há três propósitos principais para a disciplina na igreja. Primeiro, a disciplina na igreja existe para recuperar o pecador de volta à igreja, e em última análise, ao Senhor. A disciplina eclesiástica que é praticada em amor é uma poderosa maneira de confrontar um pecador com seu pecado e mostrar que a igreja o ama, não desistirá dele e deseja vê-lo restaurado à plena comunhão. Em um sentido muito real, a disciplina pode ser a atuação do evangelho diante dos nossos olhos. Devemos reconhecer o nosso pecado, nos arrepender e pedir perdão, o qual é livre e plenamente concedido.
Segundo, a disciplina é necessária para manter a pureza da igreja e seu testemunho diante de um mundo vigilante. Isso não significa que colocamos uma máscara hipócrita de perfeccionismo, mas admitimos diante do mundo que a Palavra de Deus é o padrão para as nossas vidas e que somos verdadeiros cristãos — não perfeitos, mas perdoados.
Por último e mais importante, a disciplina na igreja é feita para a glória de Deus. Cristãos são exposições vivas da glória de Deus, e nós mostramos muito mais a sua glória quando lutamos para refletir seu amor e seu santo caráter (Ef 3.10). Que maneira melhor de mostrar que um Deus santo é um Deus amoroso do que através da disciplina? Conforme buscamos a restauração daqueles que tropeçam, em espírito de amorosa humildade, colocamos em exposição uma honorável conduta que apontará para aquele que é a fonte de toda a restauração no universo (1Pe 2.12).

Tradução: Alan Cristie.